domingo, 2 de dezembro de 2012

Guache em papel na parede



Olha o que escorreu dos dedos na Nádia...

Tem um desenho na minha frente
Pessoas beijam
Pessoas bebem
Pessoas falam
Tem uma bicicleta
E gente sendo
Mas tem uma moça sozinha
Ela olha pra baixo e eu
Eu olho pro fundo dela
Apesar do amor profundo
do casal do lado
É pro fundo dela que,
Se o papel tivesse profundidade, eu entraria
Gente falando e gente sendo
Mas é ela que é.
O que é que te arqueia o pescoço?
Se o papel fosse tão profundo quanto quem o desenhou
Moça,
Eu te entraria.

Ela me diz que saiu do papel na parede, 
mas eu sei que foi só porque ela parou pra olhar.
No que ela mal bate os olhos, as coisas começam a soletrar.
Mesmo que assim baixinho, mesmo que assim manchado.
Ela bem que tenta me enganar, mas eu sei que veio dela.
Eu reconheço esse trançado. 
Esse jeito dela de fingir que não sabe o que está fazendo.
Eu reconheço esse traçado.
Essa coisa assim de quem só está sendo.

"o meu papel anda muito calado ultimamente"

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Passa estando

Um dia eu era criança.
Falaram assim pra mim, cuida das suas irmãs, deixa a casa ajeitada.
Tá bom, eu fiz.
Bem assim direito.

Daí eu estava crescendo.
Falaram assim pra mim, vai estudar e ser alguém na vida.
Eu não entendi bem o porquê, mas fui e fiz.
Assim sem entender quem eu era ou quem eu iria virar.

Ontem falaram assim pra mim,
você não vale nada, vai embora da minha vida.
Eu não entendi a falta de valor.
Mas eu fui embora.

Amanhã eu vou ser velho.
Ninguém vai contar pra mim o porquê eu segui tantas ordens.
Mesmo assim eu segui.
E vou embora.

Uma amiga minha um dia escreveu: 
"quem sou eu, senão eu sendo o tempo todo?"

terça-feira, 7 de agosto de 2012

Hum


Escrever é fruto senão de egoísmo.
Do contrário o poeta fecharia o seu negócio,
ou dividiria a sua técnica.
Ao invés, sozinho exercita a mão na folha.
As letras vão saindo dos dedos: os agás, os ús e os êmes.
Escrever é masturbação.
A poesia é o ponto G do poeta.

"Imagina, imagina, hoje à noite a gente se perder e a lua se apagar"

terça-feira, 8 de maio de 2012

Esvaziando

Eu acho que eu parei de ler e de escrever.
Também não canto mais, nem escuto tanta música.
Parei de tocar e o meu violão está um desafino só.
Os tantos acordes viraram um embaraço, as tantas notas um grunhido e nos meus dedos só sobraram cãibras.
Eu acho que eu parei de pensar.
E os tantos pensamentos viraram um cochilo.
E eu acho que eu não entendo mais nada.
E as tantas teorias perderam o sentido e a relevância.
E eu achava que achar não era coisa séria.
E me lembro com tanta convicção de todas as minhas certezas.
Acho que elas atrofiaram que nem os meus arpejos.
Eu acho que eu vou arrumar esses desjeitos,
mas tem uma preguiça que não deixa.
Eu achei que não importasse o quê.
Que tinha coisas que não mudariam nunca.
Eu acho que eu estava errado.
Ou está na hora de acordar.

"o que pensas e sentes, isso ainda não é poesia"


segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Tique-teque

Nem sempre os dedos sobre as teclas desenham a forma certa.
Tem tempos que eles param e a cabeça esvazia.
Às vezes por muito tempo.
Tem tempos que a gente não pensa.
Tem eras que a gente nem existe.
E tem um momento bem curto em que quase tudo faz sentido,
daí logo passa.
Mas é bem assim mesmo que tudo fica mais confortável.
Eu gosto mesmo é daquele tuim que começa chato no ouvido 
e vira um silêncio branco dentro da cabeça
sem interessar o barulho do resto
até que o tiquetequeando da superfície do teclado vira desenho na frente dos olhos
e harmonia no buraco dos ouvidos.


"Tem tempos que não escrevo, mas comprei um bloquinho"

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Acerto

Não vem fingir que tu se perdeu nas contas.
Nem dizer que tu não sabe a soma do peso dos teus sumiços.
Tô sabendo muito bem que enquanto eu tava na rua pro sustento dos teus filhos, tu te enrolava nas calcinhas da vizinha.
Te lambusava naquela baba toda e vinha deitar do meu lado cheirando a galinha.
Eu não falava nada, não jogava nada. Nem nada em cima de tu, nem tu pra fora da cama.
Mas eu morria de nojo.
Nojo dessa tua barba velha e fedorenta.
Desse teu buraco preto no queixo.
Se não bastasse o nojo, a raiva de achar um cabelo comprido e desbotado preso nos pelos do teu peito.
Depois acordava no furor, todo animado, todo feliz, todo pra cima.
Mas não finge que a juventude toda era pra mim que eu sei que não era.
Eu sei que tu só ficava assim quando sonhava no meio das pernas da vagabunda.
Não vem fingir que as contas não batem.
Nem dizer que tu discorda um fio que seja.
Que fio de cabelo comprido e desbotado, era nos pelos do teu peito que eu achava.
Tu dava de malandro enquanto eu ralava o suor do meu corpo.
Agora fica aí, cara de froxo, pica mole.
E pára de babar que eu não boto o dedo nesse queixo encardido.
Achou que o marido era besta, besta é tu.
Nem me viu armar tua coça.
Contar pro marido daquela azeda foi só o começo desse acerto.
E bota aí na tua conta que te deixar no teu estado me custou abrir as pernas pro marido da vagabunda.
Mas não te preocupa não que eu ainda abro as tuas.
Agora te vira que eu tô indo pro enterro da vadia.

"e qualquer desatenção pode ser a gota d'água"

terça-feira, 12 de julho de 2011

Antes de perder a briga

Não gosto de sono que bate na gente,
desses que bate muito,
bem assim, mais na força que no peso.

Sabe quando o sono não relaxa a gente?! Lá vem hoje!

"tem sempre um samba triste meu bem"

Di-fere

A gente pensa que é uma coisa,
daí é outra.
A gente acha que está num lugar,
mas tá no outro.
Tem hora que até parece que está ali pertinho,
mas vai pra longe numa piscada.
A gente acha que é importante,
depois fica na dúvida.
Às vezes parece que nada mais importa,
depois nem importa mais.
Tem hora que é quase tudo,
tem hora que nem um pouco.
Um dia, dois, uma semana.
Hoje foi novo,
pela primeira vez o vazio completo.
A gente pensa que faz diferença,
aí dá impressão de que nem é tanta.

"ela falou que ia embora e eu ignorei: 'ignora nada sua besta, vem aqui e me aperta logo enquanto pode'"

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Ainda não

Tem hora e pouco,
tem hora e meia,
em meia hora,
agora há pouco.
Todas as horas às vezes é pouco.
Não falta nada, mas falta um tanto,
só que não falta agora,
vai faltar.

"tem hora e pouco, tem hora e meia, tem hora que nunca chega, tem hora que vai chegar"

terça-feira, 5 de abril de 2011

Dá nada

Eu ando.
Andava também Luzia.
Éramos uma trabalheira danada.
Quando eu não dava de sumir, dava Luzia de aparecer de repente.
Mulher danada que ela é. Se me pegava depois de um dia pesado perigava passar vergonha.
Com ela não tem uma ou duas. É duas ou três, às vezes quatro, e eu que não me cuide!
Eu gosto! Sempre gostei. Desde os tempo da caverna na Augusta... uma daquelas, tem tantas.
Eu ando meio agora.
Ela também tá só metade.
Eu meio dado, Luzia bem danada.
Dá nada ultimamente e eu ando nada com isso.
Mas ela muda. E muda colhe uma muda de silêncio de bem dentro dos meus modos
Só pra plantar no jeito dela e fazer mudar com ela. 
Mudo também, assim em silêncio, como quem tá pensando no que era.
Passa Luzia, passa aqui, ali e passa logo do meu pensamento.
Coisa boa que me deixava cheio de marca.
Mas marca num demarca não. Fica no tempo só pra contar história mesmo.
Ela andou eu também.
Vai Luzia,
traz pra mim aquele copo de malícia.

"e a gente se casa na beira Luluza, na beira do mar"