Olhou pra mim com olhos muito limpos, os meus ardiam, no mínimo vermelhos.
Eu gosto, vivo dizendo, gosto dessas coisas. Música triste, sala escura, noite fria.
Encolher no canto, encenar no chuveiro, declamar falas de personagens ilusórias, tão tristes, tão heróicas, tão cheias de razões mais importantes.
Você é muito dramática, pessimista, ingênua... Ouvi muitas coisas para sustentar qualquer pose.
Chorei, gritei, bati, até em mim mesma.
E aquelhos olhos tão secos. Eu só quero a verdade.
Já lhe dei, já lhe mostrei, já lhe provei, não há mais sobre a verdade do que tudo isso de que você está fugindo.
Palavras secas, lágrimas também muito secas.
Não tinha longos cabelos então puxei pela roupa.
Pára com essa merda toda.
É sua.
Essa merda toda é sua.
Não, essa merda é toda sua, é a sua merda emporcalhando a minha vida, é a sua merda que você me vem esfregar na cara. É a sua merda que traz esse cheiro ridículo de despedida, de partida, de partilha.
Pra que argumentar. Já estava fraca e farta, remédios demais, com álcool demais e falta de companhia. Doses exageradas de histeria, choro, soluço. De sentimentalismo, falsidade, egoísmo.
Não tinha mais nada para ser salvo ali, era só secar os olhos e olhar.
E aquela cara tão seca.
Me ousou um tapa na cara, um roxo no braço, um corte na boca.
Amanhã não vou nem lembrar dessa sua cara.
Sorte sua, eu vou. Por um tempo; um longo. Mas isso ficou só no pensamento, o que saiu foi; foi diferente.
Aquela roupa asseada.
Música triste, sala escura, cara amassada, eu gosto disso. Bagunça, escuridão. Mancha no braço, roupa rasgada. Copos virados, copos vazios, uns pelo fim. A cara borrada, o corte na boca.
Aqueles sapatos pretos de merda.
Tudo revirado, a casa, as gavetas; por fora, por dentro, por enquanto.
Música escura, sala gostosa, cara triste, eu amasso coisas assim; fotos assim. Eu escureço.
Tem que ser mesmo muito filho da puta. Digo pra querer essa merda toda.
Aqueles passos sem culpa.
O que saiu foi; foi diferente.
Me fala. Quem é a outra?
Não adianta, você não vai culpar mais ninguém das faltas que são só suas.
Ela me disse com a voz mais sóbria.
"e só para não entristecer, que fazer? canto..."